Desde o início deste século, o conceito de “nativo digital” tem ocupado um lugar de destaque nos debates sobre educação e tecnologia. Esse conceito descreve a geração que cresceu imersa na era digital, em contraposição aos “imigrantes digitais”, que se adaptaram a essas tecnologias posteriormente em suas vidas. A distinção entre esses dois grupos é fundamental para compreender como a tecnologia molda nossa relação com o conhecimento e o mundo.
O termo “nativo digital”, cunhado por Marc Prensky em 2001, refere-se a indivíduos nascidos a partir da década de 1980, que cresceram imersos na era da tecnologia digital. Esta definição sugere que esses indivíduos têm uma familiaridade inata com tecnologias digitais, ao contrário dos “imigrantes digitais”, que se adaptaram a essas tecnologias mais tarde em suas vidas. Prensky argumenta que os nativos digitais são fluentes na linguagem das computações e jogos eletrônicos, o que molda suas abordagens de aprendizagem e comunicação.
Don Tapscott, em seu livro “Growing Up Digital: The Rise of the Net Generation” (1998), amplia essa noção ao descrever como a “Geração da Rede” utiliza a tecnologia para aprender, interagir e inovar de maneiras que diferem substancialmente das gerações anteriores.
Para esses autores, tais características geracionais com as tecnologias influenciam profundamente a maneira como processamos informações, interagimos com o ambiente e construímos conhecimentos, com certa ou nenhuma compreensão intuitiva das linguagens digitais e seus processos.
As geração e o uso de tecnologia
A Geração Z, nascida na era digital, possui uma fluência tecnológica inata, navegando com destreza por múltiplas plataformas digitais e redes sociais. Em contraste, a Geração X e os Baby Boomers se adaptaram à tecnologia, mas não a internalizaram da mesma forma, mantendo uma preferência por formas de comunicação mais tradicionais. Os Millennials (Geração Y) representam um elo entre os imigrantes e os nativos digitais, tendo vivenciado tanto o mundo pré e pós-internet. Eles se adaptaram à tecnologia e abraçaram suas vantagens, equilibrando habilidades digitais e analógicas.
Controvérsias sobre o conceito de Nativos digitais
Alguns críticos argumentam que a noção de nativos digitais pode simplificar demais a complexidade em que as habilidades tecnológicas são assimiladas por diferentes gerações, classes sociais e culturas. Além disso, a rapidez com que a tecnologia evolui dificulta este tipo generalização essas características para toda uma geração. Afinal, a fluência digital não é uniforme, e muitos jovens enfrentam desafios, desigualdades de acesso a dispositivos, conectividade e educação digital
A UNESCO, em seus múltiplos relatórios e iniciativas, tem enfatizado a importância de reconhecer e abordar essas desigualdades digitais e o fato das habilidades digitais serem profundamente impactados por fatores socioeconômicos, o, especialmente em regiões menos desenvolvidas, o que impede milhares de jovens se tornarem verdadeiramente fluentes no digital.
Outro fator apontado em relatório, demostram que meninas e mulheres são frequentemente menos encorajadas a desenvolver habilidades em STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), o que pode limitar suas oportunidades na era digital.
A Crítica de Demurget aos Nativos Digitais: O mito da geração Universal
No entanto, a aplicação indiscriminada do termo “nativo digital” tem sido criticada por diversos acadêmicos. Michel Desmurget, em seu livro “Digital Natives: The Myth of the Universal Generation” (2021), desafia a ideia de uma geração homogênea e universalmente tecnológica. Desmurget argumenta que há uma variação significativa no acesso e uso da tecnologia entre os jovens, influenciada por fatores socioeconômicos, culturais e geográficos. Ele destaca que assumir uma competência digital uniforme entre todos os jovens pode levar a políticas educacionais mal direcionadas e à negligência das necessidades individuais.
Ademais, estudos neurocientíficos têm explorado como a hiperconectividade afeta diferentes cérebros, incluindo aqueles com características como superdotação ou TDAH. Tais pesquisas indicam que, enquanto alguns indivíduos podem prosperar em ambientes ricos em tecnologia, outros podem enfrentar desafios significativos.
A crítica de Desmurget estende-se também ao uso da tecnologia na educação. Ele sugere que, embora a tecnologia possa facilitar aprendizagens mais envolventes e personalizadas, não substitui a necessidade de desenvolvimento de habilidades críticas fundamentais na infância. Estudos apontam para os possíveis efeitos adversos do uso excessivo de tecnologia, como déficits em habilidades linguísticas e sociais.
Portanto, é crucial que educadores e formuladores de políticas reconheçam as complexidades inerentes à categoria dos “nativos digitais”. Não basta simplesmente digitalizar o processo educacional; é necessário avaliar como, quando e para quem a tecnologia é implementada. A tecnologia, particularmente a inteligência artificial, oferece ferramentas poderosas para personalizar a educação, mas seu uso deve ser criterioso e informado.
Finalmente, a percepção de que professores devem se transformar em especialistas em tecnologia para atender aos nativos digitais é outra noção que precisa ser reavaliada. A tecnologia deve ser vista como uma ferramenta que auxilia, mas não substitui, o papel fundamental do professor no desenvolvimento cognitivo e social do aluno.
O que muda quando pensamos em uma geração de Nativos Digitais no contexto Educacional?
Do ponto de vista educacional, a discussão sobre nativos digitais tem sido fértil. Os professores podem aproveitar essa afinidade tecnológica para enriquecer o processo de aprendizagem? Como equilibrar o uso da tecnologia com outras formas de conhecimento? Como os próprios professores “imigrantes digitais” podem se adaptar a este novo aluno “nativo digital? Essas perguntas são desafiadoras tanto para os educadores e formuladores de políticas educacionais.
Em resumo, se consideramos o conceito de nativos digitais extremamente controverso diante da diversidade cultural da escola e do planeta, devemos considerar cuidadosamente como e se devemos integrá-lo a um discurso pedagógico. Pois talvez ele possa ignorar as reais necessidades de novos os alunos e os desafios do letramento e alfabetização digital. Ou mesmo subestimar outros recursos educacionais como os livro, por exemplo. Tapscott observa que esses jovens são notáveis por sua habilidade de multitarefas e preferência por interações digitais, o que pode ter implicações profundas para sistemas educacionais e ambientes de trabalho.
Uma abordagem construtivista na educação, especialmente em relação à alfabetização digital e ao conceito de nativos digitais, pode ser um campo fértil para reflexão de novas práticas pedagógicas. No contexto construtivista, o aprendizado é visto como um processo ativo, onde o conhecimento é construído a partir das experiências e interações do aluno com o mundo.
Quando aplicamos essa abordagem ao ensino de supostos “nativos digitais”, imediatamente colocamos em cheque o conceito, reconhecendo que esses alunos não são apenas consumidores passivos de informação, mas sim construtores ativos de conhecimento. Capazes de interagir com a tecnologia de maneira intuitiva, crítica e exploratória, o que pode ser aproveitado para promover um aprendizado mais significativo.
Em uma perspectiva construtivista e da alfabetização digital, por exemplo, não existe nada inerente a “todos” os alunos. É necessário que os educadores criem ambientes de aprendizado, fomentem a reflexão crítica, encorajem a exploração das tecnologias, promovam a colaboração, reconhecendo que cada aluno terá seu próprio ritmo e estilo de aprendizado em relação ao vasto universo digital e suas transformações.
Nesta perspectiva, a jornada de letramento digital torna-se uma experiência compartilhada e individualizada, independentemente de sua geração. Nesta linha de pensamento, o artigo “As Novas Tecnologias na Prática Pedagógica sob a Perspectiva Construtivista”, pois oferece insights valiosos sobre como integrar as tecnologias digitais no ambiente de aprendizado construtivista. Esperamos que apreciem e comentem aqui.
Autora: Ivini Ferraz
Mestre em Mudança Social e Transformação Digital pela USP
Conheça o “Programa IA nas Escolas” Players School para formação de educadores e gestores escolares em Inteligência Artificial: